Posar para fotos com roupas iguais, dar entrevistas e deparar com estranhos que falam outros idiomas não é novidade em Cândido Godói, cidade do noroeste do Estado famosa pela alta incidência de gêmeos. Só que neste ano, o município de 6.634 habitantes virou mais do que nunca um ponto de peregrinação da imprensa mundial.
O que atrai os olhos do planeta é a versão de que o nascimento de gêmeos seja fruto de experimentos do médico nazista Joseph Mengele, que poderia ter passado pela região na década de 60. A tese, sem comprovação científica, não é nova, mas foi retomada no final do ano passado pelo argentino Jorge Camarasa no livro Mengele: El Ángel de la Muerte en Sudamérica (Mengele: O Anjo da Morte na América do Sul). O objetivo de Mengele era ampliar rapidamente a raça ariana.
Bastou para a prefeitura ser bombardeada por e-mails de emissoras de TV, jornais e revistas. Conheceram Linha São Pedro – a comunidade onde nasceram 38 dos 86 pares de gêmeos – repórteres do jornal americano The New York Times, e das emissoras de TV ZDF, alemã, e RAI, italiana, entre outros. O programa Explorer, do National Geographic Channel, foi produzido em maio na cidade e deve estrear amanhã nos Estados Unidos.
– Não acreditamos nesses experimentos. Qual a mulher que iria aceitar participar disso? – questiona o vice-prefeito, Mario Backes (PT).
Na prefeitura, a associação do fenômeno com o nazista causa indignação.
– Não se descarta que ele passou por aqui, mas a experiência não tem fundamento. Não havia estrutura para isso – comenta a funcionária da Secretaria da Educação Vanuza Dresch, que recebe a imprensa.
Os pais de Tahuana e Kitana, seis anos, Eloísa e Jair Lunkes, já deram entrevistas, só este ano, cinco ou seis vezes. Não se dizem incomodados, pois têm orgulho de mostrar as meninas de olhos azuis. Na família de Jair, há gêmeos em três gerações. Eles também não se ofendem com o fato de o nome da cidade ter sido relacionado a Mengele, apesar de acharem a versão da experiência genética uma besteira.
– Se me perguntam qual é o segredo, digo que não posso falar, é coisa de família – diverte-se Lunkes.
Cientistas contestam a versão do escritor argentino.
– O nascimento de gêmeos começou muito antes da década de 60, que é quando se supõe que o Mengele tivesse passado por Cândido Godói. Ele teria de ter mexido no material genético das pessoas, o que naquela época era impossível – diz Lavínia Faccini, professora do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que conduz uma pesquisa sobre os gêmeos.
A explicação mais provável é a de que, entre as famílias de descendentes de alemães que primeiro se instalaram em Linha São Pedro, uma delas tivesse predisposição genética a ter gêmeos.