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Músicos reuniram-se no Chalé da Praça XV para celebrar os 40 anos da
Califórnia da Canção Nativa / Foto: Fernando Corrêa / Zero Hora |
— Tá melhorando, chegaram os de Uruguaiana.
Com ares de anfitrião, o produtor Ayrton dos Anjos, o Patinete, recebia os compositores e intérpretes da música regionalista que chegavam ao Chalé da Praça XV, na Capital. A reunião, ocorrida na noite desta quarta-feira, tinha motivo especial: comemorar os 40 anos da Califórnia da Canção Nativa, mítico festival criado em Uruguaiana, em 1971.
Sem ser realizada há dois anos, devido à falta de patrocínios, a Califórnia da Canção foi revivida intensamente por mais de uma dezena de músicos, produtores e familiares, vindos de todo o canto do Estado — de Jaguarão, de São Borja, de Uruguaiana. Aos poucos, eles converteram o Chalé da Praça XV em um álbum vivo de fotografias de uma época que deixou saudades — e um legado que não se ousa questionar.
— Se não fosse a Califórnia, toda a música regionalista que a gente conhece não existiria — afirma, taxativo, o compositor Jerônimo Jardim.
Mais do que solidificar uma estética regionalista que não se blindava contra referências externas, a Califórnia estruturou um mercado sustentável para a música gaúcha de raiz.
— Somos músicos que vivemos de música — garante o compositor e intérprete João de Almeida Neto. — E esse ainda é um mercado muito vivo.
O compositor Francisco Alves, autor de clássicos do cancioneiro regional, como Não Podemos Se Entregar Pros Homens, se orgulha de ter inscrito canções em todas as edições da Califórnia. Ele, no entanto, diz não se sentir seguro quanto à volta do festival com a força de outrora:
— O meu medo é que tenha passado o ciclo.
Para o compositor, escritor e publicitário Luiz Coronel, o enfraquecimento da Califórnia era inevitável. Segundo ele, a partir da década de 1980, o festival deixou de ser o mosaico de diferentes características criativas e interpretativas, que consistia em sua maior virtude.
— As composições foram ficando repetitivas, as interpretações parecidas umas com as outras — opina. Coronel lamentou a morte do músico José Cláudio Machado, na última segunda-feira. Segundo ele, Machado foi um músico ímpar e uma figura muito verdadeira.
Bola para frente
João de Almeida Neto acredita que, independentemente de o festival voltar a acontecer, o processo de fortalecimento da cultura regionalista iniciado por ele segue a pleno vapor.
— Acho que temos que reverenciar as pessoas que construíram esse movimento tão bonito e importante. Eu vim aqui celebrar o futuro, o que ainda vai acontecer, as músicas que ainda vamos compor e tocar. Se é Califórnia ou não, é apenas uma questão de nomenclatura.
No que depender de muitos dos presentes no Chalé, no entanto, o festival deve voltar.
— Eu vejo este encontro como um divisor de águas — afirma Francisco Alves, otimista.
Para Patinete, é preciso "uma pessoa de pulso forte", que injete o fôlego que falta para que o festival consiga o aporte de patrocínio necessário e possa, enfim, ser realizado novamente.
— A Califórnia da Canção é importante demais para morrer. Nós não queremos nem que ela fique doente — afirma o produtor.