18 março 2010

Lição aos 109 anos: ex-peão tem aulas de alfabetização em Dom Pedrito

Quando está sentado em alguma cadeira e firma a vista cansada para além das árvores e dos passarinhos, o velho Santo Sant’ana Afonso alcança o céu e se vê peão moço, bem aprumado sobre os arreios de um cavalo nas lides diárias dos campos limpos de Dom Pedrito. De volta desses passeios imemoriais, o que mais mexe com sua longa vida de 109 anos são as aulas de alfabetização que recebe no único asilo da cidade.
É provável que não se dê muito conta disso, mas o que ele faz é um exemplo de que o importante é seguir adiante. Sempre. Na faixa etária dos 21 habitantes do Asilo da Velhice Major Alencastro Carneiro da Fontoura, essa disposição é ainda mais relevante.
– A maioria prefere ficar parada – constata o diretor da instituição, Manoel Garcia.
Santo e outros seis companheiros não se entregam e, pelo menos duas vezes por semana, recebem a visita de uma alfabetizadora do Projeto Brasil Alfabetizado. Nessas horas, Santo vira guri de galpão, enxerga o fogo de chão bem vivo, talvez uma espiga de milho espetada e girando sobre o vermelho quente das brasas. Coisa boa, deve pensar. Dá mesmo vontade de aprender as letras. Até onde a memória alcança nos melhores dias, Santo recorda que não foi muito adiante, não:
– Ih, a escola na campanha ficava longe, e eu não saía do “ovo e da uva”. Fui aprender mais depois que deixei a escola.
Essa lembrança corresponde a uma das lições das antigas cartilhas, do tempo da “vovó viu a uva” – não era assim que as crianças aprendiam a ler? Entre o ovo e a fruta, o menino Santo espana a poeira da idade e trava algumas pirraças bem-humoradas com Josi Storniolo Brasil, a mestra desses alunos tão especiais.
– Ele diz que se tiver de tomar banho não vem à aula – diverte-se a educadora.
Mas isso é só para implicar, chamar a atenção e dizer: “Ei, estou vivo, olhem pra mim”. Santo é o último a sair. Diz que não vai fazer as lições, mas faz. E sempre pede uma coisa que não irá ganhar: as cartilhas daquele tempo, com uma mulher vestida de vermelho e uma ovelhinha. Em compensação, lá estão as letras bem desenhadas. Se já conseguiu de fato ler, nesta nova fase ainda está juntando as letras.