Lojas de calçados que atendem a clientes de pés grandes costumam oferecer tamanhos extras até o número 48, no máximo chegam ao raro 52. Pois acredite, nenhuma delas pode resolver as necessidades de Marcio André Pinto Matje. O pisante dele: 59, e bico largo, e sola reforçada, e couro duplo de boi brasino para aguentar o tranco.
Conhecer o Marcio, que mora em Santo Ângelo, na região das Missões, é ter uma noção de como seriam os pedestais dos mitológicos Hércules e Golias. Por uma anomalia jamais diagnosticada pela família, quando ele tinha 15 anos, já usava número 52. Hoje, aos 26 anos, sustenta-se sobre dois colossos que só podem ser calçados mediante encomenda.
A tarefa não é para qualquer sapateiro. Há 34 anos no ramo, Jorge Oliveira da Silva precisou improvisar a maior fôrma de que dispunha, a número 44, para confeccionar um calçado para o Marcio. Colou placas de borracha no molde de madeira, até alcançar o tamanho certo. Para satisfazer o exclusivo freguês, Silva fez o solado com pneu de caminhão e entrelaçou fios de náilon nas tiras de couro. É com as únicas sandálias disponíveis no armário que Marcio se desloca e trabalha. Na manhã de 13 de abril, empurrava um carrinho de coletar lixo reciclável – uma engenhoca adaptada com o baú de um freezer, movida a rodas de bicicleta – pelas ruas dos bairros Sagrada Família e Zeferino. Em menos de três horas, já lotara o transportador com garrafas pet, papelão, latinhas e plásticos, recolhidos da lixeira de casas e empresas.
– Tem bastante gente boa na cidade, que guarda coisas para nós – disse Marcio, a testa suada, pois dispensa o boné mesmo sob a inclemência do sol.
A família de Marcio – os pais, mais oito irmãos e duas sobrinhas – sobrevive com a reciclagem de material. Usam um carrinho de tração humana, que Marcio puxa com a leveza de quem arrasta um brinquedo. Também uma carroça, mas ela está parada porque o cavalo, o Secão (tão velho que o pelo desbotou e perderam a conta da idade), machucou uma pata.
Marcio é estimado em Santo Ângelo. Mas nem sempre foi assim. Nem sempre o trataram com respeito. Quando menino, sofreu com as gozações dos colegas de aula – e como crianças podem ser malvadas ao extremo. As professoras tentavam protegê-lo do bullying, mas os gritos de “pé grande!”, “pé grande!”, “pé grande!” o perseguiam, o acossavam, o deixavam tonto e apavorado.