Os olhos azuis de Fiorentino Cassol, 82 anos, percorrem a propriedade de 60 hectares às margens da Barragem do Passo Real, no município de Quinze de Novembro, interior do Rio Grande do Sul. Há 58 anos, ele, a mulher, Rosa Tereza, e a primogênita, Noêmia, com apenas quatro meses, pisaram pela primeira vez na localidade de Sede Aurora. Eles tiveram que deixar Novo Treviso, na cidade da Faxinal do Soturno, região da Quarta Colônia da Imigração Italiana. “A minha família era grande, éramos em 14 irmãos; quando meu irmão casou, não havia lugar para todos na casa dos meus pais”, lembra Fiorentino.
A viagem de 200 km foi feita em um caminhão. Para começar a vida, a família trazia um armário, uma cama e uma mesa de madeira. Com os 40 Cruzeiros emprestados por Ernesto Cassol, o irmão que trabalhava em um banco, compraram 48 hectares de terra, onde começaram a cultivar trigo, milho, cana-de-açúcar, mandioca e outras variedades para subsistência.
A família cresceu, vieram mais sete filhos. Todos ajudavam na roça. As melodias italianas cantadas por Fiorentino acompanhavam as longas jornadas de trabalho e são uma das lembranças mais fortes que os filhos guardam daquele tempo difícil.
Em 1962, a família aumentou a propriedade e passou a se dedicar ao cultivo do fumo de estufa, vendido para indústrias de Venâncio Aires e Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul. As folhas ficavam de três a quatro dias secando e era preciso que, a cada 2 horas, alguém monitorasse o fogo. Esse trabalho não podia ser interrompido à noite, o que custou muitas horas de sono dos colonos. “Bota judiaria”, comenta Fiorentino.
O inverno de 1965 foi marcado por uma grande nevasca na região. Com medo de perder as mudas de fumo, a família Cassol removeu a neve que se acumulou em cima da estufa. O esforço valeu a pena e aquele ano rendeu 365 arrobas. “Foi o ano que mais lucramos com a cultura, pois quase ninguém tinha mudas”, conta Renato, um dos filhos de Fiorentino.
O período do final dos anos 60 ao início dos anos 70 foi marcado por grandes mudanças no campo. Foi nessa fase que surgiu a Operação Tatu, uma iniciativa da Emater/RS, que consistia em programas de orientação para recuperação do solo através da correção da acidez e da adubação. A eletricidade chegou em 1969, mesmo ano em que inundaram boa parte da região para a construção da Barragem do Passo Real. A mecanização na propriedade começou em 1972, quando foi comprado o primeiro trator. Essas melhorias tornaram possível a expansão da lavoura e a introdução da cultura da soja. Nos anos 80, três vacas vindas do Uruguai deram início à atividade da pecuária leiteira. O plantio direto é realizado desde 1995, e a soja transgênica é plantada desde 2005.
Atualmente, três pessoas cuidam da propriedade. Flávio, filho mais novo de Fiorentino, a mulher dele, Inês, e um funcionário. A criação de porcos, o cultivo de soja e a produção de leite são as fontes de renda da propriedade. Todos os produtos já têm destino certo. Os 550 litros de leite produzidos diariamente pelas 24 vacas vão para a Cooperativa Santa Clara. Os 500 suínos são criados em parceria com a empresa Alibem, que fornece os insumos. As 1.800 sacas de soja anuais são destinadas para a Cotribá (Cooperativa Agrícola Mista General Osório), sediada na cidade vizinha de Ibirubá.
Fiorentino Cassol é associado à Cotribá desde 1961, e orgulha-se de ser um dos cooperados mais antigos. “Tem gente que desvia uma parte da produção; eu nunca desviei. Em todos esses anos, sempre entreguei todo o produto”, garante. Para ele, a presença da cooperativa na região trouxe muitos benefícios para os colonos, garantindo assistência técnica, armazenagem e insumos aos produtores.
“Nunca tirei a vocação dos meus filhos”, conta Fiorentino. Os oito filhos estudaram, formaram-se e foram embora. Renato, hoje veterinário, afirma que a família tinha visão de que as terras eram escassas para o sustento e tantas pessoas e, por isso, precisavam estudar.
Apesar de muitos terem deixado a vida na roça para trás, a propriedade continua sendo o ponto de encontro onde Fiorentino Cassol reúne a família para os almoços de domingo.