16 dezembro 2010

Presos morrem feito ratos nas cadeias gaúchas

Cléria viu o filho definhar na cadeia
Quando o portão de ferro bateu atrás de si, a faxineira Cléria Ries, 48 anos, viu o inferno se abrir. Era final de novembro, e pela primeira vez ela visitava o filho Lorival Ries Medeiros, 18 anos, no Presídio Central.
No pátio, onde sentou-se para comer um bolo com o jovem, os canos abertos deixavam a água do esgoto e as fezes saltarem até valas em que ratos e baratas corriam. Vivendo como aqueles ratos, Lorival morreu duas semanas depois, na quinta passada.
- Colchão perto da vala
Meningite bacteriana é a causa da morte no atestado de óbito do Hospital Vila Nova. Preso em flagrante em Cachoeirinha pela primeira vez por envolvimento com o tráfico, Lorival entrou sadio no presídio.
Ficou em uma cela com 26 pessoas, em um colchão fino no chão, à beira da vala. Só saiu, segundo a mãe, após um companheiro de cela quase iniciar uma rebelião e chamar a atenção dos guardas. Ele havia passado a madrugada com uma toalha molhada na cabeça de Lorival, que ainda passou três dias em coma.
- Mãe soube da morte por telefone
Cléria não soube de nada disso. Só foi comunicada da morte, por telefone, na noite de quinta. Ela pressentia o pior.
– Ele ardia em febre, estava pálido. Parecia que ia desmaiar a última vez que eu vi meu filho vivo. Essa imagem não sai da minha memória – diz a mãe, sem conter as lágrimas.
- "Ninguém tem esse direito”
Cléria diz que passou quatro dias ligando para o presídio. Primeiro, lhe informaram que Lorival havia sido medicado na enfermaria.
No dia da morte, lhe disseram que o rapaz havia voltado à cela. Cléria queria detalhes, mas ouviu de um agente:
– Preso é preso.
Horas depois, ela soube da perda:
– Ele pode ter errado, mas ninguém tem esse direito, tratar pessoas como elas são tratadas naquele lugar. Quero evitar que outras mães sofram.
- Lorival não volta
Há alguns dias, um advogado amigo da família empenhou-se na soltura do rapaz. A garantia era de que Lorival estaria de volta à casa antes do dia 25. Mas o pinheiro de Natal na casa da Vila Anair, em Cachoeirinha, este ano vai ficar guardado na caixa.
– Ele (filho) me pediu para não montar o pinheiro, que a gente faria isso juntos – conta a mãe.
Mesmo com dores de cabeça desde 28 de novembro, o jovem, de acordo com mãe, nunca foi levado à enfermaria.
Lorival, entre as celas, era chamado de “franguinho novo”. A cada visita, a mãe levava, além de comida, algum dinheiro, que ele dizia ser necessário para pagar sua segurança.
- A cada mês, pelo menos seis mortes
A morte de Lorival não surpreende o juiz da Vara de Execuções Criminais, Sidinei José Brzuska. Uma lista contabiliza, nos últimos 18 meses, pelo menos 120 mortes consideradas por causas naturais no sistema carcerário gaúcho – média de quase sete por mês não devido à violência mas, provavelmente, por falta de estrutura das cadeias.
– Chama a atenção o grande número de mortes explicadas por insuficiência respiratória. A causa está no ambiente do presídio – avalia o juiz.
Segundo ele, o problema estaria nas más condições sanitárias e nos problemas que levam à entrada de drogas e telefones celulares.
O superintendente adjunto da Susepe, coronel Afonso Auler, diz que estão sendo feitas "as devidas apurações" do caso:
– Não temos conhecimento de foco de meningite no presídio, inclusive com dados do nosso laboratório para detecção de tuberculose instalado no Central.