17 setembro 2011

A falta que nos conduz à vida

Mara Nowaczyk, psicóloga CRP07/19626
Por vezes nos deparamos com a estranha sensação de incompletude, sugerindo-nos a falta de algo, ou de várias coisas que acreditamos ou imaginamos carecer. Quem nunca sentiu essa quase indefinível sensação de necessidade e carência dentro de si? Para alguns ela pode ser intensa, para outros se apresenta menos profunda.
No entanto, uma vez ou outra na vida, nos encontramos com esse sentimento, o qual, talvez, nem consigamos definir ou compreender realisticamente. Este é um tema que foi bastante estudado pela filosofia, psicologia e pela literatura, trazendo grandes contribuições à base de conhecimento que temos hoje. Na mitologia grega, por exemplo, sabiamente, a carência era colocada como a origem de tudo que desejamos na vida. Para eles, esse gosto de escassez, de insuficiência, de insatisfação é a grande faísca que dá partida às nossas ações, planos e sonhos, diz a professora de mitologia Helenice Hartmann.
Saber disso gera alívio. Muita gente não consegue identificar esse sentimento que nos angustia, e mal percebe que ele está ali presente. Ao dar um nome para tal sentimento difuso, mas insistente, a vida pode se reorganizar de uma maneira diferente. Podemos reconhecer o que nos incomoda e, mais que isso, observar como essa falta primordial é capaz de conduzir, nem sempre de uma maneira mais sábia, a maioria dos nossos movimentos existenciais. Com base nessa nova consciência, é possível, então, um maior equilíbrio de nossos desejos: já sabemos o que os origina, e assim podemos administrá-los melhor. Se admitimos que essa falta jamais será preenchida com as ilusões do universo material, ou mesmo emocional, vamos atenuar a fome com que nos atiramos às pessoas e às coisas. Dessa maneira, é possível nos contentarmos mais com a vida, e até nos alegrarmos e nos sentirmos gratos com o que já temos, pois atendemos a essa necessidade de outra forma. “Não se trata de suprimir o desejo, mas de transformá-lo: de desejar um pouco menos aquilo que nos falta e um pouco mais aquilo que temos; de desejar um pouco menos o que não depende de nós e um pouco mais aquilo que de fato depende”, sugere o filósofo francês contemporâneo André Comte-Sponville. Sem dúvida, isso já é um ótimo começo.
A descoberta da falta
Saber que existe esse vazio interno pode se tornar uma descoberta fascinante. Existe até um filme (A Falta Que nos Move), da diretora Christiane Jatahy, que fala dessa necessidade primordial do ser. Para realizá-lo, uma de suas fontes de inspiração foi o filósofo alemão Arthur Schopenhauer. Segundo ele, o sentimento de ausência é o movimento precursor da busca que o ser humano empreende em sua vida: a procura pela realização pessoal, pelo relacionamento com o outro e pela felicidade. “Todo desejo nasce de uma falta, de um estado ou condição que não nos satisfazem: portanto, enquanto não for satisfeito, ele é sofrimento”, escreveu o pensador. Outro que se aprofundou nesse tema no século 20, e que também influenciou Christiane Jatahy, foi o psicanalista francês Jacques Lacan. Ele afirmava que esse vazio primordial alimenta a procura do homem por sua própria verdade. Portanto, para Lacan, a falta não é, em si, negativa ou indesejável, mas o poderoso estopim de uma busca interna que pode se tornar reveladora.
Ainda teríamos condições de falar e expor muito mais sobre o assunto. E até mesmo vê-lo sob diferentes sentidos, já que as reflexões que o mesmo nos instiga e nos revela ao pensarmos sobre, são vastas. Nesse sentido, deixo a vocês leitores, a mensagem do escritor francês Matthieu Ricard, descrita em seu livro Felicidade, a fim de vislumbrarem aqui mais reflexões a cerca do tema:
Ele complementa a idéia do texto:
“Somos responsáveis pela escassez que nos aflige. Não nascemos sábios, nos tornamos”. É a sabedoria, portanto, que nos ajuda a encontrar o bom caminho para transcender aquilo que nos falta.
Lembrando que, se algo nos aflige, nos incomoda, ou nos falta, graças à Deus, é porque estamos vivos! Se nada nos faltasse, se nada desejássemos, nossa vida não teria sentido. E só não deseja, só não busca algo mais para preencher a falta àquele que já morreu.