12 novembro 2011

Beleza Interior: O salão de molas e tábuas cantantes

Encerada co esmero, pista com molas impulsiona os 
dançarinos 
Foto: Emílio Pedroso
Um olhar diferenciado sobre costumes e peculiaridades gaúchos é a proposta da série Beleza Interior, que percorre um destino diferente do Estado a cada sábado. Na edição de hoje, visitamos Três Passos, cidade que conta com um surpreendente salão de molas. A trepidação do piso é orgulho entre os moradores.
Não tem como fugir da trepidação da música, esqueça o ferrolho da infância e o apoio das paredes.
Um salão de baile especial põe os pares a dançar sem parar. O nome da cidade já é uma ordem ao movimento: Três Passos, de 24 mil habitantes, a 477 quilômetros de Porto Alegre. No interior do município, na localidade de Baixo Erval Novo, a principal atração da pequena comunidade de origem alemã é a Sociedade de Cavaleiros Cantores de Lira e Damas Sempre Alegres.
O salão de madeira, impecavelmente encerado, traz uma pista revestida de molas, que pode impulsionar os dançarinos em 15 centímetros.
– Com mais de cem pessoas juntas, a sensação é que flutuamos, andamos nas nuvens – diz Jorge Bohn, 44 anos.
Quem entra no local não desfruta de direito de escolha, é condicionado a mergulhar no balanço e aderir ao fervor das cornetas e gaitas das bandinhas. Aprende a dançar voando.
– Voar é certo, dançar não sei – diferencia Vilma Bohn.
Os bailes mensais são o passatempo das famílias de agricultores, uma folga benfazeja na dura rotina da lavoura de trigo, milho e soja.
Completando 60 anos, o salão foi criado para facilitar os travados e os tímidos. Por debaixo das tábuas, molas e pneus agem como intermitente trampolim.
– Dançar é pular numa piscina, não dá para ficar parado, tem que mexer os braços e as pernas senão morremos afogados – explica Ido Schu, 63 anos.
– Não vem a ser uma cama elástica, mas é mais do que um colchão, produzindo uma vibração infinita, um sobe e desce de enjoar marinheiro de primeira viagem – comenta o presidente do clube, Nadir Fuhr, 53 anos.
Mas a facilidade motora é apenas aparente na visão de Elaine Petersin, 47 anos, a mais conhecida pé de valsa da vizinhança:
– A pista exige alta precisão, treme muito e o novato não acerta o andamento e se arrepende de aceitar o convite.
Elaine fez questão de casar nas “tábuas cantantes” com Alcídio, 49, até encardir a cauda imaculada de noiva com números de vanerão, xote e valsa.
– Danço aqui desde criança, oferecemos show de graça – exibe-se Alcídio.
Azar dos bêbados que não suportam nem 10 minutos do sacolejo e terminam levados ao nocaute nos primeiros rounds da noite.
– O ébrio logo encontra a lona – graceja Nadir.
A solidariedade é a mais contundente consequência da pista. O espaço abole o egoísmo e isola os individualistas. Não existe como dançar somente cuidando do próprio domínio. Desde o princípio, é trabalho de equipe, coreografia coletiva. Os convidados se enlaçam em um longo e atento nado sincronizado. Se um erra, os demais sentem o tropeço.
– Uma falha qualquer gera o efeito dominó, periga o povo inteiro cair – esclarece Marli Bohn. – Nosso lema é um por todos, todos por um.
O três-passense demonstra ser um legítimo mosqueteiro do bailado.