20 dezembro 2011

A laranja espremida em uma década de dados

O professor Marcos Fava Neves*, da USP Ribeirão Preto, acaba de lançar a segunda fase de estudos da cadeia citrícola. Intitulado “Análise de uma década da cadeia da laranja”, o documento faz um exame inédito sobre as margens operacionais médias das indústrias nos últimos dez anos. A intenção do trabalho, segundo o professor titular da FEA/USP, é apresentar um balanço econômico referente aos últimos dez anos e o desempenho citrícola exportador de suco de laranja concentrado congelado em seus mais diversos elos.
Os dados foram obtidos por meio de diferentes métodos de pesquisa. Entrevistas, participação em eventos mundiais para coleta de dados com engarrafadores e varejistas fizeram parte do trabalho. Contudo, a parte mais sensível da publicação contemplou pesquisa junto aos associados da CitrusBR – Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos. Dados considerados estratégicos de cada empresa foram enviados e compilados sob sigilo. Os números presentes no estudo são médias das quatro empresas.
NOVIDADES
A “Análise de uma década da cadeia da laranja” traz informações importantes. “É difícil levantar o que é mais relevante nesse novo estudo, mas acredito que a análise das margens operacionais obtidas com a compra de laranja de fornecedores, ante às margens obtidas pelas indústrias com os seus pomares próprios, é um dos pontos altos do trabalho”, observa Fava Neves. “O que sustentou a margem dessas indústrias nos últimos anos, sem dúvida, foram os pomares próprios, o que justifica os elevados investimentos feitos na produção agrícola”.
Na década analisada foram adquiridas 1,8 bilhão de caixas de laranjas oriundas de fornecedores de fruta. O valor corresponde a 65% de toda laranja processada na década analisada. O estudo mostra uma variação de margem oscilando entre um resultado operacional positivo de US$ 1,61 por caixa de laranja adquirida na safra 2006/2007, a um resultado operacional negativo de US$ 1,62 na safra 2009. No total, na década analisada, por incrível que possa parecer, a compra de frutas de fornecedores não trouxe lucro à indústria, considerando as médias de preços pagos. Os pomares próprios das indústrias corresponderam a aproximadamente 35% do abastecimento do total de frutas processadas na década, chegando próximos a 100 milhões de caixas. Nesse cenário, a laranja própria da indústria, produzida a custos mais baixos em relação à fruta adquirida de seus fornecedores, propiciou na década analisada uma margem operacional média de U$ 1,17 por caixa de 40,8 Kg, o equivalente a US$ 265 por tonelada de FCOj;
Fava Neves explica, porém, que há muito trabalho a ser feito. “A produtividade será a palavra de ordem para a citricultura do século XXI e será preciso criar ferramentas para trazer os produtores que estão em faixas menos produtivas para faixas mais confortáveis e com controle rigoroso de custos”, diz.
Outros pontos, igualmente sensíveis são analisados. Entre eles o deslocamento de preços existente entre o que reportam alguns relatórios internacionais e os preços praticados e auditados no mercado. O Food News, uma das principais publicações do mercado mundial de bebidas, é alvo de ampla análise. Entre o que reporta a publicação e o que as empresas efetivamente negociam, existe uma diferença de, aproximadamente, US$ 1 bilhão que não chegaram à cadeia citrícola brasileira. Nesse sentido, o estudo também mostra como está cada vez mais forte a transferência de renda das indústrias e produtores de fruta brasileiros para engarrafadores e varejistas na Europa. “O brasileiro está financiando o suco barato comprado na gôndola pelo consumidor europeu”, diz.
OUTROS DESTAQUES DO ESTUDO:
Oscilação de preços pagos pela fruta:
- De um ano para outro, a diferença de produção na oferta de fruta pode chegar a 40%, graças às condições climáticas antes e depois da florada, intempéries como secas prolongadas ou geadas.
- Enquanto as safras variam 40% de um ano para outro, nos últimos sete anos, as oscilações de demanda não ultrapassaram 3% entre os anos, causando impacto nos preços pagos pela fruta. A acentuada volatilidade dos preços do suco de laranja na Bolsa de Nova Iorque e no mercado físico europeu são devidas às expectativas de produção e estoques de passagem das safras subsequentes;
- Apesar de uma correlação direta, percebe-se também uma defasagem natural entre as cotações médias mensais da Bolsa de Nova Iorque e os preços médios recebidos pelas indústrias no mercado físico europeu, principal destino das exportações brasileiras. Essa defasagem advém do fato que os preços dos contratos na Europa e Ásia são travados com envasadores para períodos variáveis entre 6 meses a 24 meses ao contrário do mercado de futuros que têm baixa liquidez em períodos superiores a 6 meses futuros.
DESCOLAMENTO DE PREÇOS
- Durante o período analisado houve um descolamento de U$ 1,6 bilhão entre o preço médio real de venda do suco FCOJ por parte das indústrias processadoras aos seus clientes envasadores na Europa e aquele reportado semanalmente pelo Foodnews, importante periódico de informações do setor e posteriormente compilado pela Markestrat;
AUMENTO DE CUSTOS
- O custo saltou de U$ 1,31 para U$ 3,96 por caixa de 40,8 Kg. Nesses cálculos estão inclusos os custos de colheita e transporte dos frutos, porém, está excluído o cálculo de depreciação e amortização do capital investido.
- Devido ao fato de 95% da produção ser destinada ao mercado internacional, a valorização cambial drenou fortemente a renda do setor, principalmente do produtor de laranja que mesmo com recordes históricos de preços como verificados na safra 2007/08 de U$ 5,42 e safra 2008/09 de U$ 5,28, por caixa de laranja de 40,8 kg, não ficaram satisfeitos com os resultados obtidos na atividade, pelo enfraquecimento do dólar. Com o dólar a R$ 2,00 ou a R$ 2,50 a remuneração dos citricultores em reais teria sido substancialmente maior.
- De todos os problemas enfrentados pelo setor, um dos mais agudos está na inflação em dólar que impactou os custos de produção de FCOJ. Esses custos, que incluem a entrega do produto nos terminais portuários dos Estados Unidos e Europa do suco de laranja proveniente dos pomares próprios da indústria sofreram um acréscimo de 244%, em uma escala que saiu de US$ 458 por tonelada em 2002/03 e chegou a US$ 1.575 por tonelada em 2009/10. Isso corresponde a um aumento de custos de US$ 1.117 por tonelada.
*Marcos Fava Neves é Professor Titular de Planejamento na FEA/USP em Ribeirão Preto e Coordenador Científico do Markestrat.