19 setembro 2013

'Sou gaúcho o ano inteiro', diz Paixão Côrtes sobre importância da tradição

Paixão aposta nas novas gerações para deixar movimento
'menos estanque' (Foto: Rosana Orlandi/RBS TV)
Do alto de uma pira de cinco metros brilhava a chama da pátria nacional. Era 7 de setembro em Porto Alegre, Dia da Independência do Brasil, mas também uma data que a partir de então teria duplo significado para os moradores do Rio Grande do Sul. Assim como os movimentos sociais que fazem história no país a cada geração, em 1940 um grupo de oito amigos dava um passo que reviveria tradições esquecidas no cotidiano das crescentes metrópoles. Eles “roubaram” uma centelha da pira para acender pela primeira vez a Chama Crioula.

A história contada em livros espalhados por bibliotecas gaúchas foi ouvida pelo G1 no apartamento do velho guardião da tradição do estado, o homem que inspirou a estátua do Laçador, símbolo do gauchismo.

Aos 86 anos, Paixão Côrtes vive em um prédio antigo de uma rua arborizada, em um lar cheio de simbolismos. Nas paredes, quadros com a história do nome da sua família. Nas estantes, troféus recebidos ao longo das décadas. No canto de um sofá, sem passar despercebido, o candeeiro aceso pelo próprio folclorista todos anos, que agora brilha através da energia elétrica.

“Era 7 de setembro e peguei em casa um cabo de vassoura. Quebrei, enrolei um pano na ponta e embebi de querosene. Era de uma rusticidade, de uma simplicidade que tinha de ser. Então cheguei até a solenidade, guardada pela Liga de Defesa Nacional. Subi a pira e lá de cima via-se aquela massa de povo. Solenemente me perfilei, acendi um candeeiro e fiz um sinal, assim, da esquerda para a direita. Foi o momento de maior emoção da minha vida”, lembrou, emocionado, Paixão.

Há algum tempo ele já respondia pelo departamento das tradições gaúchas do colégio Júlio de Castilhos na capital. Com 20 anos, ao lado de alguns amigos, buscava resgatar costumes esquecidos pela sociedade da época. “Houve um tempo em que se esperava exterminar com tudo que era velharia. Era a invasão da música europeia, do cinema, dos discos. Sentimos esse impacto do abandono das raízes e resolvemos reagir como jovens”, contou.

A Semana Farroupilha, segundo ele, era chamada inicialmente de Ronda Crioula. O evento de sete dias, até o 20 de setembro, data do início da Revolução Farroupilha, reunia bailes, concursos de danças e vestimentas, hábitos galponeiros e rodas de chimarrão na programação da escola. A reintegração cultural era o objetivo daquele movimento que mais tarde foi denominado de Movimento das Tradições Gaúchas (MTG). A entidade coordena os Centros de Tradições Gaúchas (CTG) até hoje.

Segundo o folclorista, somado a outros estados e países, o MTG une mais de 8 milhões de pessoas. “O movimento tradicional foi criado para ser um movimento. Não é estanque, parado, fixo.  As correntes que chegam hoje devem se adaptar, elas fixam e reaparecem”, completa.

'O povo é livre', diz Paixão sobre regras 
Objetos da tradição gaúcha se misturam a troféus no apartamento de Paixão (Foto: Rosana Orlandi/RBS TV)
Entusiasta da ligação entre o passado e o presente, Paixão é também um crítico da sua criatura. Para ele, os Centros de Tradições Gaúchas que atuam somente pelas regras são motivo de “imensa tristeza”.

“O povo é livre e deve expressar o sentimento que vem da alma e do coração. O regionalismo só vai ser grande quando for universal, quando as pessoas se apropriarem das heranças, é o somatório que vai engrandecer. Quando se colocam regras, deixam-se passar as importâncias e não as coisas fúteis”, criticou.

Muitos locais que cultuam as tradições acabam se agarrando às normas, desde as vestimentas até os trejeitos. Apesar de andar pilchado, Paixão defende que não são apenas os simbolismos que caracterizam um gaúcho. “Só vou ser compreendido a partir do momento que compreender quem sou. E eu sou gaúcho o ano inteiro. Os países europeus são grandiosos porque são grandes nas tradições. Eles encontram nas pessoas que reergueram, as respostas. E se inspiram”, compara.

Com a idade avançada, sem perder a vitalidade que faz de Paixão um apaixonado pela história que ele mesmo construiu, o homem conta com as futuras gerações para continuar o legado. “Precisamos, acima de tudo, tomar consciência das nossas origens e depois atualizar os conhecimentos”, finaliza.